sábado, julho 24, 2004

Que diabo fazes tu ainda aí?
 

        Eu digo-te. Continuas em círculos a exercer um poder que já não tem significado e que te traz desilusão. Continuas à procura de magicamente te encontrares, a partir de te poderem saber. Continuas a subir o sonho à procura do mito. Continuas num jogo de sedução que escraviza o objecto amado, acabando por desprezá-lo. E assim, paradoxalmente, desencantaste-te, quando também só, na volúpia reclinada da tua causeuse, imaginaste um príncipe.
         Mas amar é reconhecer o outro como diferente e não como um prolongamento de nós mesmos. É misturarmo-nos sem medo de morrer, de matar, ou de perecermos os dois. É podermos viver o sentimento oceânico que dilui limites e não sabermos, por vezes, onde «eu acabo e tu começas».
        Amar é poder vir de coração descalço e dizer:
        - Tem-me que sou tua!
       Senti-te radical, militante de um qualquer rito satânico, com a divisa «ou crês, ou morres», pactos de sangue na iniciação do Segredo. O segredo de ti que vieste sem livro de instruções. O ler-te, num livro de páginas eternas a escreverem-se sem tempo nem espaço.
 
 
        Talvez seja mesmo verdade que não sabemos amar, ou não saiba eu! É delicada a fronteira entre o Amor «como prolongamento narcísico de nós mesmos» (como exigo, sem consciência) e «reconhecer o outro como diferente», ao mesmo tempo que, paradoxalmente, se diluem «limites» e não sabemos onde acabamos e começa o outro. Talvez em alguns casos, em muitos casos a forma ou causa do Amor seja doentia. Mas que podemos nós fazer para a corrigir, para a aperfeiçoar? Não será melhor desistir da ilusão de o saber a lhe dar Liberdade? Se assim acontecem tantos amores, não haverá nisso alguma intenção divina? Não sei.
 
( Tanto que eu não te disse - Marta Gautier)